segunda-feira, 27 de outubro de 2008

#28 - Fernando Pinto do Amaral

RIBAS

Não era bem a minha vida. Um gesto
afasta de repente o que sentimos, vai
por uma rua estreita como um gato
cinzento. O nevoeiro
descia sobre a praia, aproximava
o mar do céu. A minha mãe
passara ali os verões da sua longa
infância.

Sem dó nem piedade -- e todavia,
às vezes não sabia resistir:
zero um sete cinco nove,
mas faltava a coragem. Mais cruel
só o gume da espada, o silêncio que brilha
em olhos muito belos, quase iguais
aos teus. Adolescentes
surgiam pouco a pouco 'round midnight,
enrolando mortalhas -- tão fácil
respirar esse cheiro inocente, esquecer
o corpo, a alma e outras sempre inúteis,
insensatas razões.

Usavam roupas leves, confrontavam
teorias de engate. Voltei-me:
intermitentes luzes davam espaço
a uma sombra que eras tu -- devias
conhecer bem aquela casa,
as paredes caiadas, a porta pintada
de verde.

«Solitude stands in the doorway.» A voz
ignorava a passagem das horas,
todo o o bem, todo o mal, as promessas
que há num copo de gin quando ficamos
sozinhos, face a face
com o tempo que nos resta: «eu também sou
um sonho fugitivo.»

Não era bem a minha vida, apenas
um obscuro entusiasmo,
as lágrimas correndo sobre o rosto.

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