domingo, 25 de janeiro de 2009

#34 - Fernando Pinto do Amaral

STRANGERS IN THE NIGHT

Entrava pelas janelas uma nuvem
de incandescente néon -- no jardim
uma brisa do sul ia agitando
palmeiras e pessoas a caminho
do casino. Tão longe, a minha alma
arrastava-me os dedos na memória
das teclas que sabia já de cor,
na espuma fria do piano. Ali
estava eu a tocar enquanto alguém
mastigava entre os lábios feitos lama
palavras inglesas, irreais
canções que toda a gente conhecia
talvez desde o Sinatra ou mesmo antes,
num labirinto de reminiscências
agora tão confusas, de ouvido em ouvido,
cem mil vezes cantadas na penumbra
de restaurantes como aquele, no fumo
de acidentais conversas entre mesas
onde ardiam as velas e os sorrisos
por vezes desabados em cascatas
de gargalhadas que eu já nem ouvia.


A minha solidão todas as noites
iluminava a dor das melodias
que falavam de amores desencontrados
e outras pequenas mágoas sem regresso,
civilizadas e cosmopolitas
como os casais vestidos a rigor:
velhos súbditos de Sua Majestade
em smokings muito brancos, ressurgindo
de algum conto do Somerset Maugham
e só de vez em quando uns três ou quatro
portugueses perdidos na ilusão
de fantasias prontas a servir
num cenário dourado, entre a patine
de espelhos e de sonhos. Era assim
aquele hotel de luxo à sexta-feira:
jantar dançante à luz de cinco estrelas
que cintilavam sempre até à última
gotícula de som, até ao último
parzinho que deixasse aquela pista
finalmente vazia, à mercê do meu medo.


Entraria mais tarde pla janela
um farrapo de cinza, o meu destino
esquecido e friorento, simulando,
entre o silêncio cavo do piano
e o sopro do mar enrouquecido,
o luar sempre falso de outro céu
onde apenas brilhassem cinco estrelas
cadentes -- essas cinco últimas lágrimas
que um pianista obscuro como eu
nunca teve coragem de chorar.

Frank Sinatra

Strangers In The Night

domingo, 11 de janeiro de 2009

#33 João Paulo Monteiro (Ângelo Novo)

Introdução à teoria das catástrofes

o quark provavelmente é cindível
e nunca haveremos de perceber grande coisa
da economia da matéria informação entropia calor
não procures a beleza resiste
a vozes que não te chamam nem escutam
cresce e organiza-te.

em verdade vivo numa era de trevas --
dizia o b. b. (1898-1956) --
uma palavra que não seja dúplice é um absurdo
as ciências propõem jogos de azar
os políticos sorriem
e uma nuvem pousou no coração da europa
carregada de pensamentos secretos que
se partilham já sem horror.
springsteen em minneapolis e a juventus
no communale há uma vibração eléctrica no ar
sinto-a passar ela
sacode o coração das multidões
e este bate em uníssono brutalmente
sen sentido.

Bruce Springsteen

This Land Is Your Land

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

#32 Frederico Barbosa

Lascaux


no cinema de Lascaux
(imagem sobre imagem)
cortes:
séculos de Klee


recortes de cores
nos desenhos do Kane
na voz bellae
(Billie & Ella)
nas suas pernas cruzadas
em frente à tv

mágico quase acaso
colorindo
(como que sem querer)
a caverna escura
em que a gente se vê

Billie Holiday

Fine And Mellow

Ella Fitzgerald

Angel Eyes