quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

#51 - Fernando Pinto do Amaral

ELEGIA DE MANHATTAN


Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo.
Álvaro de Campos


Conheces a cidade. Toda a gente
atravessou um dia aquelas ruas
à procura de um sonho. Em mil écrans
irrompem as imagens desse mundo
que é também o teu mundo, o mais precário
lugar das nossas vidas. Imagina
a neve no inverno, alguns esquilos
saltando em Central Park de ramo em ramo
entre as folhas vermelhas do outono
e percorre outra vez esse caminho:
Quinta Avenida, 42nd Street,
as esquinas de Greenwich Village
ou a Broadway inteira até Times Square
onde brilham os néons que anunciam
as cintilantes cotações do Nasdaq
-- ORCL, CSO, MFST, QCOM --
isso a que chamam o capitalismo
ou simplesmente civilização.


Símbolos, tudo símbolos, bem sabes,
tal como as nove letras da palavra
MANHATTAN
no filme do Woody Allen. Faltam-lhe hoje
as torres que sustentam o H
-- o mesmo H com que antes escrevias
uma palavra como Humanidade.


Morreu o século XX, dizem eles,
e as guerras serão outras. É mentira,
tu sabes que é mentira, que esta guerra
é a mesma e já dura há muito tempo
-- plo menos desde o velho Torquemada
ou do homenzinho austríaco, o
frustrado, o Reischfürer que sonhou
até ao fim com o dia da vingança.


Esse dia chegou, não digas nada,
põe de novo a cabeça entre as mãos,
vê como o sol abraça o fim do verão
e escuta ainda a voz da Blossom Dearie
gravada há pouco mais de quarenta anos:
«We'll turn Manhattan
into an isle of joy.»


11-9-2001

Blossom Dearie

Manhattan

domingo, 13 de dezembro de 2009

#50 - Paulo Abrunhosa

O lince
acha-se o Prince!

Prince

Somwhere Here On Earth

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

#49 Pedro Tamen

Não se toca outra vez: nem com a mão que roça
a pele que já não é a mesma,
nem o intrumento vibra um ar que se repita.
A literal certeza de uma asserção assim
faz que seja novo cada passo na relva,
cada pardal, ou beijo.
Mas há outro sentido, Sam, velho Sam,
em que não podes outra vez tocar:
é que o tempo deveras se escoou
e foi pra não sei onde, onde não há.

Piano podes ter, ouvidos e memória:
só te falta outra vez.

Dooley Wilson