Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo.
Álvaro de Campos
Conheces a cidade. Toda a gente
atravessou um dia aquelas ruas
à procura de um sonho. Em mil écrans
irrompem as imagens desse mundo
que é também o teu mundo, o mais precário
lugar das nossas vidas. Imagina
a neve no inverno, alguns esquilos
saltando em Central Park de ramo em ramo
entre as folhas vermelhas do outono
e percorre outra vez esse caminho:
Quinta Avenida, 42nd Street,
as esquinas de Greenwich Village
ou a Broadway inteira até Times Square
onde brilham os néons que anunciam
as cintilantes cotações do Nasdaq
-- ORCL, CSO, MFST, QCOM --
isso a que chamam o capitalismo
ou simplesmente civilização.
Símbolos, tudo símbolos, bem sabes,
tal como as nove letras da palavra
MANHATTAN
no filme do Woody Allen. Faltam-lhe hoje
as torres que sustentam o H
-- o mesmo H com que antes escrevias
uma palavra como Humanidade.
Morreu o século XX, dizem eles,
e as guerras serão outras. É mentira,
tu sabes que é mentira, que esta guerra
é a mesma e já dura há muito tempo
-- plo menos desde o velho Torquemada
ou do homenzinho austríaco, o
frustrado, o Reischfürer que sonhou
até ao fim com o dia da vingança.
Esse dia chegou, não digas nada,
põe de novo a cabeça entre as mãos,
vê como o sol abraça o fim do verão
e escuta ainda a voz da Blossom Dearie
gravada há pouco mais de quarenta anos:
«We'll turn Manhattan
into an isle of joy.»
11-9-2001
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