domingo, 7 de setembro de 2008

#18 - Fernando Pinto do Amaral

AURAS


Ainda quase a medo, ias pedir-me
o primeiro cigarro dessa noite.
Passaram alguns dias e recordo
a lua sobre o pátio, entre o fumo
e o princípio de um sonho a proteger
o sorriso de dois corações.


Era quase absurdo -- quem vivia
por nós aquele idílio? Quem guiava
os passos clandestinos entre as alas
da casa adormecida? Outubro amou
aquela intimidade cada vez mais nossa
e o desejo de nos abraçarmos
como duas crianças, para lá
de toda a nostalgia deste mundo.


Falávamos de bruxas e duendes
que entravam pla janela. Como tu
conseguiste ser mais do que uma sombra
ao longo desse tempo! A lareira fundia
as nossas solidões uma na outra
ali, na sala, ao som da Sarah Vaughan.


Canções abertas rumo a cada espírito
durante esse momento em que as palavras
nada querem dizer, mas é possível
vislumbrar de repente
as coloridas auras que nos cercam,
divinas e terrenas, como o anjo
em que me transformei -- agora condenado
a milhares de perguntas que se perdem
na tua ausência ainda a cintilar
aqui
nas desesperadas luzes da cidade,
no último cigarro da noite.

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