LADBROKE GROVE
Tinham as húmidas mãos
quando os vi
descansadas sobre os dias
como se a neve que lhes dourasse os ombros
não fosse mais que a morte esperada
e no entanto adiada
a palavra longínqua que os vendavais abafaram
a carta do continente
que não falava de águias ou de tâmaras
nem sugeria as doces primaveras.
Erravam
os braços como galhos caídos na alta invernia
quando os comboios assomavam
o seu líquido assobio
no frio das manhãs
o chá quente com leite fumegando
entre os dedos assombrosos.
Falavam com a voz rouca dos gelos imemoriais
com a angústia dormida na noite dos tempos
junto ao coração sem nexo
sussurando os sonhos infantis
que caminhavam por entre o sono e os farrapos
como as baratas nas garrafas vazias da esperança
e nas pequenas pontas de cigarro
fumadas e cuspidas
um velho cachecol como uma vaga
que assolasse os píncaros do sossego.
Tinham as húmidas mãos
quando os vi
aquecendo uma na outra as veias grossas
a lembrança de coisa nenhuma
doentes de gozo
sidérios
misteriosos
os olhos cravados na negrura da face
a fruta moída pelos sapatos gastos
a conversa sem senso
sem gosto
os gestos fundidos nas paredes sujas
da longa avenida
os escuros portões
os becos transversais.
Tinham
quando os vi
um loiro kebab arrefecendo nas mãos
os doentes cantando a sinfonia gelada das tardes
recebendo ainda as cartas que já nem liam
trauteando Cohen entre a nebilna
como pássaros de medo e escuridão
áugures do silêncio e do segredo
calados como templos antigos demorados nas planícies
mas eternos e puros
como a chama das civilizações
os olhos crispados na velocidade das horas
as húmidas mãos deitadas
quando os vi
na tremenda passagem dos dias em direcção à morte.
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