sexta-feira, 20 de novembro de 2009

#47 Daniel Maia-Pinto Rodrigues

O Grande Tocador de Xilofone


No primeiro dia
vou, ainda que de lampejo, a dar um beijo
toca o telefone
Vou levantar a tampa da retrete
toca o telefone
Vou o espírito libertar ouvindo os Roxette
toca o telefone
Vou tocar uma pívia
toca o telefone
Vou tocar xilofone
toca o telefone
Vou a constatar que o telefone está sempre a tocar
toca o telefone

No segundo dia
saí para desanuviar
encontrei-te
a tomar um café com leite
e dei-te o meu telefone
No terceiro dia
estive atento ao telefone
mas o telefone não te trouxe
No quarto dia
desliguei o telefone
E eis-nos chegados ao quinto e último dia
dos dias que te referirei
e tanto esses dias, como também este textozinho
vão necessitar de um final
Qual escolheis
o final que termina bem
ou o final que termina mal?
Assinalo que elaborei mais
aquele que termina bem
Repito a pergunta
qual dos dois escolheis?
Para quem ainda não decidiu
eu vou expressar os dois finais
O que termina mal é assim
basicamente
ao quinto dia
saí para desanuviar
e todos vós me vistes, basicamente
Por sua vez o que termina bem
é
ao quinto dia
saí para desanuviar
saí para desanuviar mas é o raio!
encontrei-te
levei-te, trouxe-te e levei-te
levantámos a tampa da retrete
estilhaçámos ao som dos Roxette
percutimos o xilofone
cuspimos no telefone
demos um beijo, que não de lampejo
animámos o já vivido, amámos o divertido
metendo a boca e o nariz no queijo derretido

Roxette

Spending My Time

domingo, 15 de novembro de 2009

#46 Vasco Graça Moura

quizás, quizás, quizás


quando se está com gripe e nos dói toda a cara
o mal-estar só passa imaginando
que mozart uma vez encontrou nat king cole
e pôs-se a acompanhar quizás, quizás, quizás


a voz de um era rouca na curva do bolero
e o piano gemendo em graves da mão esquerda
dava a sua resposta asiempre que me preguntas
e triste era o refrão, quizás, quizás, quizás.


na música e na vida, algum desesperado,
mesmo sem estar com gripe ia perdendo o tempo,
sombrio, alccolizado, pelas melancolias
da voz e do piano, quizás, quizás, quizás.

nat king cole e mozart, depois de improvisarem,
fumaram um cigarro e foram-se trocando
trauteios, estranhezas, de blues e de sonatas,
mas tudo fragmentário, quizás, quizás, quizás.


se algum saxofone pegasse nesse tema,
juntando variações azuis e lancinantes,
podíamos ouvir um köchel qualquer coisa
be bop e dissonante, quizás, quizás, quizás.


e voltaria a voz em ritmos sacudidos,
no bar, na discoteca, nas sombras, nas entranhas.
nat king cole a cantar, mozart a acompanhá-lo,
ah, turvos corações, quizás, quizás, quizás.

Nat King Cole

Quizás Quizás Quizás

Wolfgang Amadeus Mozart

Sonata para piano K333, Allegro assai, Maria João Pires