terça-feira, 14 de abril de 2009

#40 - Fernando Cabrita

A PELE DOS DIAS

Eis a pele dos dias, frágil
e cinzenta como o vasto palco
do céu onde decorrem nuvens e pombos,
ou a subterrânea trepidação da cidade
cruzada de comboios entre Richmond e Upminster.
Tudo tem aqui essa fragilidade
de cinza, os carros e as árvores,
os parques e as fontes,
as grades e as luzes
de súbito declaradas como fogos,
o semblante turvo das paredes,
o regresso a casa ao entardecer,
a juventude já morando para a eternidade
nos salões do espírito.
Mas há o bálsamo sagrado dos sonhos,
a imaginação galgante os doridos rochedos do real,
Simon e Garfunkel sabendo a infância
no fundo limite do segredo do som,
a recordação de um poema de Herberto Helder
ou um amor adiado regressando à memória
acesa pelo crepúsculo,
um cheiro ainda a verão no limite da alma,
uma mão na esquina do olhar
acenando como uma deusa que nos houvesse
sido prometida.
Sinto que o tempo se escoa a cada passo
ou que a cera da idade aos poucos
se derrete.
Eis como tudo é, fragil e cinzento
como a estranha pele dos dias.

Simon and Garfunkel

The Sound Of Silence